No Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a antropóloga Michele Escoura estudou de que maneira as imagens de princesas de contos de fadas servem como um referencial de gênero e exemplo de feminilidade. A pesquisa foi realizada com aproximadamente duzentas crianças de cinco anos de três escolas, públicas e particulares, do interior de São Paulo — duas em Jundiaí e uma em Marília. Por intermédio de observações participantes, Michele avaliou a influência exercida nas crianças pela marca registrada “Disney Princesas”. As imagens das personagens das produções cinematográficas dos estúdios Walt Disney estão presentes no imaginário e no cotidiano da maioria das meninas e carregam em si uma série de particulares significados. Segundo a antropóloga, é necessário mostrar a elas outros referenciais de mundo e do que é ser mulher.
A pesquisa Girando entre Princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças
foi fundamentada nas teorias de gênero, difundidas a partir dos anos
1970. “Segundo as teorias de gênero, os referenciais de masculinidade e
feminilidade não são pautados pela natureza, mas apreendidos segundo os
modos de socialização a que nos submetemos. Diferentemente do sexo,
enquanto um referencial anatômico de macho e fêmea, os gêneros masculino
e feminino resultam de uma construção social, e variam de acordo com
cada cultura”, afirma Michele.
Durante o acompanhamento do cotidiano das crianças de diferentes
classes sociais, que durou um ano, Michele percebeu que as princesas da
Disney eram operadas como um referencial para demarcar o gênero: “Uma
brincadeira era de menina quando de alguma maneira as crianças resolviam
brincar de princesas. As meninas não tinham necessariamente que
reproduzir as ações das personagens nas brincadeiras, mas apenas a
citação das princesas, ou a utilização de algum produto relacionado a
elas enquanto brincavam já demarcava a participação exclusiva de meninas
naquela atividade.”
Casamento: uma necessidade?
Além de acompanhar as brincadeiras, Michele exibiu nas escolas os filmes “Cinderela” e “Mulan”, com o objetivo de mapear como as crianças compreendiam as narrativas dos filmes com princesas da Disney. A escolha foi feita porque tratam-se de duas personagens “Disney Princesas”conceitualmente diferentes. Enquanto Cinderela é a princesa ‘clássica’, passiva, sempre à espera de outras pessoas para resolver os seus problemas, Mulan, segundo a própria descrição no site da Disney, é uma princesa rebelde, que a partir de suas ações, desencadeia os acontecimentos na história.”
Além de acompanhar as brincadeiras, Michele exibiu nas escolas os filmes “Cinderela” e “Mulan”, com o objetivo de mapear como as crianças compreendiam as narrativas dos filmes com princesas da Disney. A escolha foi feita porque tratam-se de duas personagens “Disney Princesas”conceitualmente diferentes. Enquanto Cinderela é a princesa ‘clássica’, passiva, sempre à espera de outras pessoas para resolver os seus problemas, Mulan, segundo a própria descrição no site da Disney, é uma princesa rebelde, que a partir de suas ações, desencadeia os acontecimentos na história.”
Após as exibições, a antropóloga solicitou que as crianças
retratassem, em desenhos comentados, a cena mais relevante de cada um
dos filmes. Entre os muitos elementos captados, alguns chamavam a
atenção, como a necessidade de vínculo conjugal da princesa com um
príncipe, ou ainda o padrão estético, de beleza e comportamento.
De acordo Michele, o estatus de princesa não foi facilmente atribuído
pelas crianças à Mulan, em contraposição à Cinderela. Muitas crianças
resistiram em considerar Mulan uma princesa e os argumentos,
principalmente, se pautavam em dois motivos: Primeiro, por a personagem
não apresentar o padrão estético, de beleza e comportamento, da maioria
das outras princesas. Em segundo lugar, e mais importante, pelo final do
filme não deixar claro se Mulan se casou ou não. Segundo Michele,
indagada sobre o porquê Mulan não seria uma princesa, uma das crianças
respondeu: “Tia, para ser princesa precisa casar, né? Senão não vai ser
princesa, vai ser solteira!”
Marca registrada
Criada no início dos anos 2000, a marca registrada “Disney Princesas” reúne os direitos de reprodução das imagens de algumas personagens presentes nas produções cinematográficas da Walt Disney Company, nos mais variados tipos de produtos, de mochilas e cadernos até jogos de videogame. A franquia nasceu com a ideia de potencializar os lucros da empresa, principalmente por intermédio do jovem público consumidor feminino.
Criada no início dos anos 2000, a marca registrada “Disney Princesas” reúne os direitos de reprodução das imagens de algumas personagens presentes nas produções cinematográficas da Walt Disney Company, nos mais variados tipos de produtos, de mochilas e cadernos até jogos de videogame. A franquia nasceu com a ideia de potencializar os lucros da empresa, principalmente por intermédio do jovem público consumidor feminino.
A marca conta hoje com dez personagens: Branca de Neve, do filme A Branca de Neve e os Sete Anões (1937); Cinderela, de Cinderela (1950); Aurora, de A Bela Adormecida (1959); Ariel, de A Pequena Sereia (1989); Bela, de A Bela e a Fera (1991); Jasmine, de Alladin (1992); Pocahontas, de Pocahontas (1995); Mulan, de Mulan (1998); Tiana, de A Princesa e o Sapo (2009); e Rapunzel, de Enrolados (2010).
Michele ressalta a importância de nos atentarmos ao padrão que
determina a presença ou não de uma personagem no seleto grupo da marca.
Ao analisar a narrativa dos dois filmes selecionados, o ponto em comum
percebido entre as ‘Disney Princesas’ é o sucesso no amor conjugal. A
imagem das princesas é totalmente dependente do príncipe, e apesar das
grandes diferenças nas narrativas, a realização de si enquanto um
exemplo de feminilidade só é completa após o casamento ou a sua
sugestão.”
Segundo o estudo, a marca é, hoje, a principal responsável pela
divulgação das princesas da Walt Disney. As crianças conhecem antes as
princesas pelos produtos em que estão estampadas, do que pelos filmes
que contam a sua história. Para a antropóloga, a pesquisa demonstra como
o consumo destes determinados produtos também exerce o papel de
demarcar as diferenças de gênero entre as crianças.
Novos horizontes
Mais do que marginalizar completamente as personagens das princesas, Michele acredita que é preciso garantir que as crianças tenham acesso também a outros tipos de referenciais de feminilidades. Filmes, músicas, roupas e tantos outros produtos entregues às crianças, não podem ser a única fonte de informação sobre o que é ser mulher.
Mais do que marginalizar completamente as personagens das princesas, Michele acredita que é preciso garantir que as crianças tenham acesso também a outros tipos de referenciais de feminilidades. Filmes, músicas, roupas e tantos outros produtos entregues às crianças, não podem ser a única fonte de informação sobre o que é ser mulher.
“As princesas da Disney carregam consigo um conteúdo que acaba
funcionando como uma restrição a ideia do que é ser humano, enquanto
mulher. É necessário garantir que a formação das crianças tenha também
outros tipos de referenciais. A diversidade existe, e as crianças devem
saber que não há apenas uma maneira de serem felizes, bonitas e
aceitas.”, conclui a antropóloga.
FONTE: http://www.usp.br/agen/?p=127120&fb_action_ids=479028825498184&fb_action_types=og.recommends&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582